Saturday, August 14, 2010

O papel moral da educação no século XXI

Publicado em 14 de agosto de 2010 | Fonte: Cleiton Gomes

O processo educativo desperta em muitas pessoas uma imagem bastante comum em relação à moralização, pois está enraizada na mentalidade de muitos atores educacionais que a finalidade educativa é moralizar os acadêmicos, introduzindo em sua personalidade, a decência, a honestidade, a bondade e a integridade. São muitos os autores que identificam a educação como um ato de moralização, citemos três, Herbart “A educação como um Caráter Moralizador”, Peters, “Requisitos morais da Educação”, Millán Puelles “que fiel a educação tomista, dá ênfase na moralização” (Paciano Firmoso, 2006, pag.182). No entanto, do ponto de vista da psicologia social, a moral deve ser considerada como de certa forma o comportamento social que é elaborado e estabelecido em prol da classe dominante e é diferente para as diversas classes. (Vigotski, 2007, pag. 209). Para vigotski, em cada escola, a educação moral coincide plenamente com a moral de classe que a orienta, com intuito de legitimizar o status quo.
Para Paciano Firmoso, a educação teria pouca influência no processo da personalidade humana e consequentemente pouca influência na moralização, pois não cabe lugar a dúvida de que um ensino tecnicamente montado e controlado pode contribuir com seu grão de areia no edifício da personalidade humana. (Paciano Firmoso, 2006, pag.138)
Parece-nos oportuno expor aqui a visão de Gardner sobre um fator decisivo na ontogênese educacional.
“A cultura nos possibilita examinar o desenvolvimento e a implementação de competências intelectuais a partir de uma variedade de perspectivas: os papéis que a sociedade valoriza; as buscas nas quais os indivíduos podem adquirir especialização; a especialização de domínios nos quais prodigiosidade, retardo ou incapacitações de aprendizagem individuais podem ser encontradas; e os tipos de transferências de habilidades que podemos esperar nos cenários educacionais” (Gardner, 2007, pag . 44)
Isto significa que a cultura é constitutiva dos processos de desenvolvimento, aprendizagem, socialização e moralização. No contexto da socialização Pérez Gómez destaca, Da mesma forma, na escola, os processos de socialização para as diferenças e na aparência contraditórias, esferas da vida social devem assumir um certo grau de hipocrisia e esquizofrenia em relação às peculiaridades da sociedade. (Pérez Góméz,2007, pag.20). E ressalta o autor, Assim, a escola legitima a ordem existente e se converte em válvula de escape das contradições e desajustes sociais (Peréz Gómez, 2007, pag.16). Esse processo de reprodução da arbitrariedade cultural não é automático, linear ou isento de contradições, caminha de forma vagarosa, mas significativa na vida acadêmica.
Entretanto, não podemos deixar de citar o atual contexto cultural da sociedade que influencia enormemente o local onde se efetiva a educação acadêmica, pelo simples fato desta instituição ser um extrato da cultura social. Racionero esclarece que “Antes havia uma cultura popular – o Folclore – e a alta cultura de Goethe e Mozart; agora há, no campo restos de Folclore, na cidade cultura de massas e em alguns subúrbios raros textos de Goethe e Mozart. A cultura de massas é o Parque Jurássico”. (Raciomero, 1993 apud, Peréz Gómez, 2000 p. 12 )
Não é difícil imaginar a relevância substancial destas interpretações sociais e culturais para determinar o que ocorre em uma das instituições chaves da sociedade, a escola. E é interessante, a meu ver, ampliar a interpretação culturalista para a compreensão da vida na escola, nos modos de intercâmbios e os efeitos que provoca nas novas gerações. Por isso me parece útil entender a escola como cruzamento de culturas que provoca tensões, aberturas, restrições e contrastes na construção de significados.
A partir das colocações citadas por diversos autores, chega-se facilmente a uma conclusão, a de que é utópico achar que a educação possui um papel central na moralização e a utopia dificilmente é solução (dito por Bruner, 2000, pag.15).
Não há, decerto, respostas apodícticas a respeito do papel moral da educação no século XXI, mas há alusões promissoras que bastam para encorajar os esforços sérios. Uma delas é estabelecer de forma clara os parâmetros, as regras e os limites condizentes com os constructos sociais, visto que as normas que refletem a autoridade são garantias de saúde mental. Esses fatores estão esquecidos na sociedade e na educação, gerando, assim, a síndrome de carência de autoridade, fazendo muitas escolas se tornarem centros de delitos (dito por Plavon no X seminário Latino Americano de Educação, 2009).
Apesar de muitos teóricos contestarem essa postura como cita Paciano Firmoso, “Os teóricos das pedagogias libertarias e anti-autoritárias acusam a escola moralizadora de exercer um controle repressivo sobre o aluno, como se toda moralização fosse em efeito, uma repressão” (Paciano Firmoso, 2006, pag 183).
Não podemos negar que há sistemas moralizadores repressivos, mas não podemos generalizar estes fatos, porque há moralização autenticamente libertadora, ainda que não dispense as normas e as leis. Moralizar é contribuir para que o homem seja dono de si mesmo, com responsabilidade plena dos seus atos.
Outro aspecto relevante é considerado nas palavras de Pérez Gómez como um fator decisivo nas discussões sobre os constructos sociais, visto que seria “ingênuo esperar que organizações políticas, sindicais ou religiosas, ou o âmbito da empresa, mercado e propaganda estejam interessados em oferecer ao futuro cidadão/dã as chaves para um debate aberto e racional, que permita opções relativamente autônomas sobre qualquer aspecto [... ]. Seus interesses, mais ou menos legítimos, orientam-se em outras direções mais próximas da inculcação, persuasão ou sedução do indivíduo a qualquer preço do que da reflexão racional e da comparação crítica de pareceres e propostas.” (Pérez Gómez, 2007, pag.25)
Nessa perspectiva, a instituição educativa, com profissionais conscientes, pode contribuir com a construção da moralização e, para que isso se concretize, a Educação Acadêmica “deve se propor como objeto prioritário o cultivo, em estudantes e docentes, da capacidade de pensar criticamente sobre a ordem social. O professor/a é considerado como um intelectual transformador, com o claro compromisso político de provocar a formação da consciência dos cidadãos na análise crítica da ordem social da comunidade em que vivem.” (Pérez Gómez, 2007 pag. 374)

(*) Cleiton Gomes da Silva é professor da rede municipal de educação

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