Wednesday, June 30, 2010

Carioca ainda não sabe jogar a sujeira no lixo


30.06.2010 | 09:46
Carioca ainda não sabe jogar a sujeira no lixo


O desafio foi lançado de forma polêmica: ao afirmar, em novembro passado, que “as pessoas precisam ser menos porcas”, o prefeito Eduardo Paes propôs ao carioca reduzir o lixo público, aquele que é jogado nas ruas e recolhido pelos garis. O que a Comlurb deixasse de gastar na limpeza da cidade, a prefeitura aplicaria em obras e outras melhorias. No mês seguinte, um “lixômetro” começou então a medir, pela internet, os detritos de cada Região Administrativa.

Em maio deste ano, completados seis meses de medição, o Rio Como Vamos mostra que a provocação ainda não surtiu o efeito desejado e que o lixo continua não encontrando o caminho das lixeiras, ficando espalhado por calçadas, canteiros e asfalto.

Em dezembro de 2009, o lixômetro marcou 99.030 toneladas de lixo público recolhidas na cidade. O total chegou em maio a 102.645t, volume 3,65% maior do que o do mês inicial, com pico de 104.307t em março. Na análise por Região Administrativa, o lixômetro mostra que 20 das 33 RAs tiveram aumento no volume entre dezembro e maio, sendo que em dez delas ficou entre 10% e 79% a mais. Apenas cinco RAs tiveram redução mais expressiva entre dezembro e maio: Lagoa (-42,41%), Madureira (-30,55%), Cidade de Deus (-24,48%), Copacabana (-20,33%) e Centro (-13,85%).

Ao comparar maio de 2010 com o mesmo mês de 2009 (90.558t), o aumento do volume de lixo público do Rio foi de 13,35%. Somente sete RAs tiveram queda de um ano para o outro: Paquetá (-38,71%), Lagoa (-34,66%), Cidade de Deus (-28,21%), Madureira (-23,90%), Santa Cruz (-17,10%), Copacabana (-8,18%) e Penha (-6,33%). Na contramão, Rio Comprido teve aumento de 72,48% e, Santa Teresa, de 117,97%.

O Centro continua com o maior índice de lixo público per capita. Foram 3,02kg por habitante, por dia, em maio. É na região que ficam alguns dos locais que, devido ao grande fluxo de pessoas e comércio, exigem mais atenção dos garis: avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, Largo da Carioca, Cinelândia e Lapa. A Rio Branco chega a ser varrida cinco vezes por dia.

— O lixo tem uma curva sazonal.

Dezembro, por exemplo, é mês de pico. Nestes seis meses, o lixo público não fugiu da linha de normalidade — constata a presidente da Comlurb, Ângela Fonti, reconhecendo que, pelo que foi medido até agora, nenhuma RA receberia o investimento prometido pelo prefeito.

Apesar da decepção com os números no geral, o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório, diz que houve pontos positivos, como o resultado de fevereiro, que, apesar de ser mês de verão e de carnaval, foi o que registrou o menor volume de lixo público desde o lançamento do desafio: 94.768 toneladas.

Além disso, as papeleiras de algumas áreas, como a Rio Branco, têm estado mais cheias.

— No verão, fizemos campanha forte, e vale a pena investir nisso. A limpeza da cidade é prioridade da prefeitura, mas precisamos da colaboração das pessoas. Nos primeiros quatro meses deste ano, a prefeitura aplicou R$ 60 milhões, além do orçamento da Comlurb, em limpeza e conservação. Contratamos mais 2 mil garis e adquirimos novos equipamentos. No segundo semestre, vamos cobrar uma atitude do cidadão — diz Osório.

Para a presidente do Rio Como Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira, as pessoas precisam entender que a rua pertence a todos e reagir à sujeira: — Na Pesquisa de Percepção do RCV, 63% dos entrevistados disseram se incomodar com bolsões de lixo em seus bairros e 83% afirmaram que as pessoas precisam contribuir com a limpeza das praias, evitando sujá-las. Se os cariocas detestam a cidade suja, quem é que está sujando?

Pesquisador do aproveitamento energético do lixo, Luciano Basto, da Coppe/UFRJ, diz que as pessoas precisam entender que, ao jogar lixo no chão, estão rasgando dinheiro. Para se ter uma ideia, o orçamento da Comlurb para 2010 é de R$ 850 milhões. Quase a metade disso, R$ 400 milhões, será empregada somente na limpeza do lixo público, que consome por mês 12 mil vassouras e 297.500 sacos e ocupa 5.299 garis (2.523 só na varrição). É parte deste montante que, se economizada, o prefeito promete investir nas regiões que mais reduzirem os detritos de suas ruas.

— O hábito de jogar lixo no chão está arraigado na sociedade, é uma questão de apropriação do espaço público. Dificilmente a pessoa cospe ou joga lixo na sala de casa. Há 35 anos, na Europa vivia-se a mesma situação. O que se fez por lá foi, primeiro, disponibilizar à população estatísticas que medissem o problema. Depois, mostrar o quanto se gastava com ele e buscar iniciativas para resolvê-lo — conta Luciano Basto, destacando que o trabalho de conscientização da população tem que ser constante. — Não podemos empurrar a solução para as próximas gerações.

Professora do Departamento de Ciências Sociais da Uerj, Rosana Prado, que trabalha com percepções ambientais e participação popular, aposta no diálogo com a população para mudar o quadro do lixo público no Rio: — Não vejo outro caminho. Não se pode impor um hábito (como o de não jogar lixo nas ruas) às pessoas. Cada grupo tem que ser atingido respeitandose suas próprias realidades e referenciais.

REPORTAGEM PUBLICADA EM O GLOBO

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