Wednesday, June 30, 2010

Informações decisivas para discutir o lixo

28.05.2010 | 08:05

Informações decisivas para discutir o lixo
/ Ambiente


WASHINGTON NOVAES

Uma das razões mais frequentemente apontadas como causa das dificuldades para discutir as chamadas questões ambientais estaria na ausência de informações concretas sobre danos ambientais, que evidenciem em números os prejuízos provocados por esta ou aquela ação e demonstrem a superioridade de propostas alternativas mais adequadas. Mesmo quando estas existem, faz-se de conta que não. Um exemplo: o economista Robert Constanza, coordenando um grupo de 13 outros estudiosos, demonstrou, na Universidade da Califórnia, já há uns 20 anos, que os serviços prestados gratuitamente pela biodiversidade e pelos ecossistemas, se tivessem de ser substituídos por ações e/ou produtos humanos, teriam um valor três vezes maior do que todo o produto bruto mundial em um ano. O estudo respondia a questões como estas: quanto vale a fertilidade natural dos solos, se tiver de ser substituída por insumos químicos? Quanto valem os serviços prestados pelos recursos hídricos? E a regulação natural do clima? Mas os valores encontrados não são considerados na prática.

Por isso precisa ser visto com atenção estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobre Pagamento de Serviços Ambientais Urbanos para Gestão de Resíduos Sólidos. É um passo importante, porque pode levar a avanços fundamentais nas políticas públicas na área do lixo, ao demonstrar com números o gigantesco desperdício implícito nas atuais práticas de depositar quase todos os resíduos em aterros ou lixões. E que o caminho do desperdício poderia ser substituído por políticas que fortaleçam cooperativas de catadores de lixo e permitam a geração de trabalho e renda.

O primeiro cálculo do Ipea é que a substituição da deposição em aterros pela reciclagem permitiria um ganho de R$ 8 bilhões por ano ? que pode ser ainda maior se as estatísticas incluíssem os resíduos totais produzidos no País (dados do IBGE em 2002 mencionam 220 mil toneladas diárias coletadas no País); e se forem incluídos no estudo valores referentes a outros materiais, já que o Ipea considerou o aço, o alumínio, o papel (celulose), o plástico e o vidro; e ainda se houvesse sido possível calcular ? como o próprio Ipea assinala ? os custos da contaminação hídrica por lixões, da poluição da atmosfera (por gases), dos resíduos industriais. De qualquer forma, R$ 8 bilhões significam quase três vezes o orçamento anual do Ministério do Meio Ambiente em 2007, lembra o estudo.

O avanço da reciclagem permitiria também ganhos substanciais para as prefeituras, ao reduzir suas despesas com o pagamento da coleta do lixo, que, nos municípios analisados pelo Ipea, com 153 milhões de habitantes, chega hoje ao custo médio de R$ 80 por tonelada (quase R$ 2 milhões diários se for estendido a todo o País). Já o custo da coleta seletiva em 12 municípios foi calculado em R$ 215 por tonelada ? mas inclui desde a coleta seletiva de porta em porta até a entrega voluntária em postos públicos. E a deposição do lixo em aterros e lixões tem custo médio de R$ 22,64 por tonelada.

O estudo avalia ainda os ganhos possíveis comparando os custos de produção de certos itens quando utilizada matéria-prima virgem e quando ela se compõe de insumos reciclados. No caso do aço, por exemplo, o ganho por tonelada com matéria-prima reciclada é de R$ 88; no alumínio, R$ 2.941; na celulose, R$ 241; no plástico, R$ 1.167; e no vidro, R$ 18 ? já adicionados os valores dos ganhos ambientais.

No caso dos ganhos ambientais proporcionados pela reciclagem, há informações importantes sobre o custo de danos gerados na produção de energia, entre eles a perda de produtos madeireiros e outros na área inundada pelas barragens, o aumento da erosão do solo no entorno dos reservatórios, a redução da disponibilidade recursos minerais nessas áreas, a perda do potencial de desenvolvimento de drogas a partir de ervas medicinais, a perda da biodiversidade o aumento da emissão de carbono. E o ganho na redução do consumo de energia com a substituição da matéria-prima por recicláveis varia ? é de R$ 26,37 por tonelada no aço, R$ 168,86 no alumínio, R$ 9,72 na celulose, R$ 5,16 no plástico e R$ 3,18 no vidro. O ganho com a redução na emissão de gases fica entre R$ 169,77 por tonelada no alumínio, R$ 51,13 no plástico e R$ 48,12 no aço. Na redução do consumo de água o ganho chega a R$ 0,32 por tonelada na celulose, R$ ,025 no alumínio e R$ 0,11 no aço.

Permite ainda o estudo avaliar a geração de lixo no País pela dimensão dos municípios: nos grandes (mais de 1 milhão de habitantes), cada habitante produz em média 1,15 quilo de lixo por dia; nos médios, 0,84 quilo; e nos pequenos, 0,74 ? com a média de 0,88 quilo por pessoa/dia. Mas a coleta seletiva representa apenas 2,4% do total. Uma das consequências é que, na média, 25,5% do lixo total vai para vazadouros e lixões e 19,6%, para aterros "controlados". Os aterros sanitários recebem 54,9% do lixo dos municípios analisados. Mesmo com a pequena parcela de resíduos destinados à reciclagem, esta gera um benefício total de R$ 1,36 bilhão.

Todas essas informações são decisivas para orientar uma política em relação a resíduos sólidos. Primeiro, porque evidenciam os ganhos econômicos com a reciclagem ? que evita o desperdício de materiais e energia e deve ser o primeiro objetivo de uma boa política no setor. Segundo, porque deixa claras as vantagens de associar tal política ao estímulo à geração de trabalho e renda por meio de cooperativas de catadores. Além disso, posturas corretas em relação à reciclagem podem evitar duas tendências muito questionáveis, como a de destinar o lixo a aterros cada vez mais distantes e a preços altíssimos, bem como avançar com a incineração, que implica desperdício de materiais, a custos altíssimos.

O estudo do Ipea precisa agora avançar em outras questões relevantes e servir de base para novas políticas no setor.

ARTIGO PUBLICADO NO ESTADO DE SÃO PAULO

Carioca ainda não sabe jogar a sujeira no lixo


30.06.2010 | 09:46
Carioca ainda não sabe jogar a sujeira no lixo


O desafio foi lançado de forma polêmica: ao afirmar, em novembro passado, que “as pessoas precisam ser menos porcas”, o prefeito Eduardo Paes propôs ao carioca reduzir o lixo público, aquele que é jogado nas ruas e recolhido pelos garis. O que a Comlurb deixasse de gastar na limpeza da cidade, a prefeitura aplicaria em obras e outras melhorias. No mês seguinte, um “lixômetro” começou então a medir, pela internet, os detritos de cada Região Administrativa.

Em maio deste ano, completados seis meses de medição, o Rio Como Vamos mostra que a provocação ainda não surtiu o efeito desejado e que o lixo continua não encontrando o caminho das lixeiras, ficando espalhado por calçadas, canteiros e asfalto.

Em dezembro de 2009, o lixômetro marcou 99.030 toneladas de lixo público recolhidas na cidade. O total chegou em maio a 102.645t, volume 3,65% maior do que o do mês inicial, com pico de 104.307t em março. Na análise por Região Administrativa, o lixômetro mostra que 20 das 33 RAs tiveram aumento no volume entre dezembro e maio, sendo que em dez delas ficou entre 10% e 79% a mais. Apenas cinco RAs tiveram redução mais expressiva entre dezembro e maio: Lagoa (-42,41%), Madureira (-30,55%), Cidade de Deus (-24,48%), Copacabana (-20,33%) e Centro (-13,85%).

Ao comparar maio de 2010 com o mesmo mês de 2009 (90.558t), o aumento do volume de lixo público do Rio foi de 13,35%. Somente sete RAs tiveram queda de um ano para o outro: Paquetá (-38,71%), Lagoa (-34,66%), Cidade de Deus (-28,21%), Madureira (-23,90%), Santa Cruz (-17,10%), Copacabana (-8,18%) e Penha (-6,33%). Na contramão, Rio Comprido teve aumento de 72,48% e, Santa Teresa, de 117,97%.

O Centro continua com o maior índice de lixo público per capita. Foram 3,02kg por habitante, por dia, em maio. É na região que ficam alguns dos locais que, devido ao grande fluxo de pessoas e comércio, exigem mais atenção dos garis: avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, Largo da Carioca, Cinelândia e Lapa. A Rio Branco chega a ser varrida cinco vezes por dia.

— O lixo tem uma curva sazonal.

Dezembro, por exemplo, é mês de pico. Nestes seis meses, o lixo público não fugiu da linha de normalidade — constata a presidente da Comlurb, Ângela Fonti, reconhecendo que, pelo que foi medido até agora, nenhuma RA receberia o investimento prometido pelo prefeito.

Apesar da decepção com os números no geral, o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório, diz que houve pontos positivos, como o resultado de fevereiro, que, apesar de ser mês de verão e de carnaval, foi o que registrou o menor volume de lixo público desde o lançamento do desafio: 94.768 toneladas.

Além disso, as papeleiras de algumas áreas, como a Rio Branco, têm estado mais cheias.

— No verão, fizemos campanha forte, e vale a pena investir nisso. A limpeza da cidade é prioridade da prefeitura, mas precisamos da colaboração das pessoas. Nos primeiros quatro meses deste ano, a prefeitura aplicou R$ 60 milhões, além do orçamento da Comlurb, em limpeza e conservação. Contratamos mais 2 mil garis e adquirimos novos equipamentos. No segundo semestre, vamos cobrar uma atitude do cidadão — diz Osório.

Para a presidente do Rio Como Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira, as pessoas precisam entender que a rua pertence a todos e reagir à sujeira: — Na Pesquisa de Percepção do RCV, 63% dos entrevistados disseram se incomodar com bolsões de lixo em seus bairros e 83% afirmaram que as pessoas precisam contribuir com a limpeza das praias, evitando sujá-las. Se os cariocas detestam a cidade suja, quem é que está sujando?

Pesquisador do aproveitamento energético do lixo, Luciano Basto, da Coppe/UFRJ, diz que as pessoas precisam entender que, ao jogar lixo no chão, estão rasgando dinheiro. Para se ter uma ideia, o orçamento da Comlurb para 2010 é de R$ 850 milhões. Quase a metade disso, R$ 400 milhões, será empregada somente na limpeza do lixo público, que consome por mês 12 mil vassouras e 297.500 sacos e ocupa 5.299 garis (2.523 só na varrição). É parte deste montante que, se economizada, o prefeito promete investir nas regiões que mais reduzirem os detritos de suas ruas.

— O hábito de jogar lixo no chão está arraigado na sociedade, é uma questão de apropriação do espaço público. Dificilmente a pessoa cospe ou joga lixo na sala de casa. Há 35 anos, na Europa vivia-se a mesma situação. O que se fez por lá foi, primeiro, disponibilizar à população estatísticas que medissem o problema. Depois, mostrar o quanto se gastava com ele e buscar iniciativas para resolvê-lo — conta Luciano Basto, destacando que o trabalho de conscientização da população tem que ser constante. — Não podemos empurrar a solução para as próximas gerações.

Professora do Departamento de Ciências Sociais da Uerj, Rosana Prado, que trabalha com percepções ambientais e participação popular, aposta no diálogo com a população para mudar o quadro do lixo público no Rio: — Não vejo outro caminho. Não se pode impor um hábito (como o de não jogar lixo nas ruas) às pessoas. Cada grupo tem que ser atingido respeitandose suas próprias realidades e referenciais.

REPORTAGEM PUBLICADA EM O GLOBO